O “desprendimento da velhice”, acho que é assim que se chama, deve estar ligado a um desvio decisivo na relação das duas pulsões postuladas por mim. A mudança que ocorre talvez seja muito notável. Tudo é tão interessante quanto era antes, os ingredientes tampouco muito diferentes. Mas falta uma espécie de ressonância.
Sigmund Freud
(Freud, Sigmund, apud Mucida, Ângela. O Sujeito não envelhece. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 21.)
A Psicanálise em seus primórdios não tratou com maior profundidade a velhice, em parte, pelo próprio Freud não ter se dedicado a questão. A princípio devemos ter conta que a “velhice” à época de Freud não era algo comum. Nesse período, 50 anos de idade já era considerado “idoso”. No campo teórico, como assinala Dorli Kamkhagi[1],
(…) A concepção freudiana desse período de vida é que, basicamente, tal qual ocorreria ao longo da vida adulta, o sujeito reeditaria de modo desigual e combinado os modelos de fases de desenvolvimentos infantis, num movimento incessante de atualizações frente às novas vivências e às alterações do corpo. De específico haveria apenas a decadência física e a consciência de que o fim se aproxima. Não há em sua obra uma teoria explícita do envelhecimento e os termos “velhice” e “envelhecimento” pouco ocorrem em seus textos.
Além de Freud, outros grandes teóricos da psicanálise como Melanie Klein e Donald Winnicott, por exemplo, não se dedicaram a desenvolver estudos específicos sobre a velhice. A perspectiva freudiana da velhice era marcadamente negativa, estando associada à decrepitude progressiva.
Para Freud[2], especificamente, o seu método terapêutico não era possível de ser aplicado em pessoas com mais idade. De forma mais clara, o envelhecimento seria um período de resistência e de posterior capitulação aos limites que sem impõem à satisfação da libido objetal.
O envelhecimento provocaria um abandono progressivo do investimento no objeto. Consequentemente ocorreria uma regressão ao narcisismo primário que levaria a libido às fases pré-genitais (fase anal, principalmente) e o retorno ao investimento no Eu.
Como resultado final a velhice resultaria na diminuição das pulsões genitais (sexuais), culminando na regressão pulsional e no retorno do recalcado, provocando perturbações na psique.
Sándor Ferenczi[3] também possuía tal teorização semelhante. Para ele, as neuroses no envelhecimento seriam derivadas por uma dificuldade em alterar a distribuição da libido. O homem ao envelhecer teria a tendência de retirar as imanações da libido dos objetos de seu amor, direcionando o seu interesse libidinal ao próprio ego. De modo geral, a consolidação das defesas impediria o acesso ao material inconsciente, dificultando um resultado terapêutico satisfatório.
Karl Abraham[4], discípulo e colaborador de Freud, abordou a importância do tratamento psicanalítico na “idade avançada”. Em sua opinião, o prognóstico dependeria mais da idade de quando se instalou a neurose do que da idade real do paciente. Segundo Abraham, o analista deveria possuir uma atitude mais ativa no tratamento de pessoas idosas.
Para a Psicanálise, a questão do envelhecimento estaria no narcisismo. O processo de decadência física (a perda da beleza, do vigor, e muitas vezes da saúde) e a proximidade da morte, provocariam um retraimento na relação do sujeito com o mundo externo. Para Goldfarb[5], seria importante (e necessário) um Ideal de Ego estruturado para a pessoa resistir à ferida narcísica provocada pelas perdas que impõe.
[1] A Clínica do Envelhecer (Novos Olhares). III Congresso Ibero-Americano de Psicogerontologia – Subjetividade, Cultura e poder, p. 1.
[2] Freud, Sigmund. O método psicanalítico de Freud [1904]. Obras completas. Rio de janeiro, Imago, V. VII, 2006
[3] Apud Dorli Kamkhagi. A Clínica do Envelhecer (Novos Olhares). III Congresso Ibero-Americano de Psicogerontologia – Subjetividade, Cultura e poder, p. 6.
[4] Op. Cit.
[5] GOLDFARB, D. C . Corpo, tempo e envelhecimento. São Paulo,Casa do Psicólogo, 1998.
* Publicado originalmente em outubro de 2011.