Em tempos de hiperconsumo o reencontro com o sentido de sua Existência pode ser uma saída para o Hedocapitalismo.
A vitória ideológica do modelo “neoliberal individualista” sobre o “socialista coletivista” é uma das principais características do atual momento da sociedade contemporânea capitalista ocidental. No campo econômico, “Desde os anos 1980, o capitalismo entrou em um novo ciclo de funcionamento, marcado pelo desmantelamento dos antigos controles regulamentares que limitavam o mercado concorrencial” (LIPOVSTKY, 33:2011).
A retomada radical do individualismo e do liberalismo é uma das marcas do nosso atual período.
Se até os anos 1990 ainda predominava a ideia de uma sociedade baseada na perspectiva da solidariedade social cuja base era a influência de metanarrativas (ideologias/discursos que possuem a capacidade de explicar o mundo como o marxismo, por exemplo), o que ocorreu desde então foi a substituição deste ideário pela dimensão individualista em seu estágio mais puro. Ou seja, a visão capitalista com uma dimensão “hiperconsumista, hedonista e fluída”. A Pós-Modernidade estaria configurada apesar das críticas de teóricos com Fredric Jameson. Segundo Jameson não haveria “pós-modernidade”, mas sim um novo estágio do capitalismo: o “Capitalismo Tardio”.
O fato é que a existência humana parece se deparar com o Vazio. E tal Vazio deve ser preenchido de alguma forma: pela posse de da mercadorias, pela busca busca incessantes de metas profissionais/pessoais e pela utilização de mecanismos artificiais de indução à felicidade (drogas e álcool). Não que isso seja novo, pelo contrário. Mas o contexto está relacionado a uma dinâmica ligada ao hiperconsumo.
Em uma sociedade que “obriga” o indivíduo a obter o sucesso a qualquer custo – sendo que na sociedade capitalista é impossível todos obterem o sucesso -, alguns não conseguem encarar o fracasso. E sucumbem. Há também os que conseguem o “sucesso” mas não diminuem o seu Vazio. E sucumbem também diante da infelicidade existencial.
Ninguém melhor do que Nietzsche conseguiu teorizar a angústia do homem moderno diante da “morte de Deus”. Mais nada é verdadeiro, mais nada é bom: quando os valores superiores perderam o direito de dirigir a existência, o homem ficou sozinho com a vida. Enquanto o sentimento de vazio aumenta, multiplicam-se comportamentos inebriantes para escapar à noite de um mundo sem valor, ao abismo da falta de objetivo e de sentido. (…)
Na verdade o desnorteio hipermoderno aumenta paralelamente com excrescência do universo tecno-midiático-mercantil e com o estilhaçamento dos enquadramentos coletivos, a individualização da existência, deixando os indivíduos à mercê de si mesmos.
Gilles Lipovstky
É verdade que o advento da Modernidade (capitalista) alteraria o modus vivendi social e traria nova implicações para o ser humano. Weber considerou que o que marcaria a modernidade seria o “desencantamento do mundo, o esvaziamento dos deuses e a racionalização crescente da existência forjada pelo discurso da ciência” (BIRMAN, 18:2007).
Como assinala Birman, “a sociedade pós-moderna pode ser caracterizada, em contrapartida, tanto pelo conceito de cultura do narcisismo, segundo a leitura aguda do norte-americano Larsch, quanto pela categoria da sociedade do espetáculo, de acordo com a interpretação do francês Debord “(84:2007).
Com a Psicanálise Freud se defrontou com os dilemas da modernidade (o mal estar na civilização, por exemplo) e seus impactos sobre o psiquismo na virada do século XIX para o século XX. Contudo, vivemos ainda hoje sob o impacto da sociedade capitalista por meio de novas dimensões.
Alguns autores vêm conseguindo captar estas novas dimensões do capitalismo e merecem ter as suas ideias analisadas. São eles: o francês Gilles Lipovetsky e o polonês Zigmunt Bauman. O que se pretende aqui é trazer uma visão an passant dos seus trabalhos.
O filósofo Gilles Lipovesky possui uma abordagem muito interessantes para explicar a atual fase capitalista e que ele aponta como hipercapitalista. E como tal estaríamos em um mundo hipermoderno. Este mundo hipermoderno seria caracterizado pelo:
- Hipercapitalismo
- Hipertecnização
- Hiperindividualismo
- Hiperconsumo
A despeito das críticas sobre vivermos atualmente na pós-modernidade ou em um “capitalismo tardio” (Fredric Jameson), Lipovetsky visualiza um “exacerbamento”, uma “radicalidade” no capitalismo. Daí o sufixo grego “hiper” (hypér) para nos dar a ideia de “excesso” atualmente. Nietzche havia nos apontado a “morte de Deus” para o homem moderno, recém-entrado na dinâmica capitalista do séc. XIX. Em tempos de ciência e técnica, a perspectiva metafísica perderia o seu sentido.
Assim, a atividade humana social se depara com as solicitações impossíveis de serem solucionadas pelo excesso de demandas geradas pelo atual momento. No âmbito familiar as relações parentais, por exemplo, sofreram alterações significativas. A família tradicional deu lugar há núcleos menores onde a figura paterna foi substituída pela mãe ou não existe. Um cenário diferente da sociedade ocidental dos séculos XIX e XX.
Com Zygmunt Bauman (polonês naturalizado britânico) que possui um obra de fôlego e que sem dúvida alguma está dentro do âmbito da Sociologia, Antropologia, Ciência Política e até mesmo da Psicanálise, o que verificamos é o prazer rápido. O Sujeito contemporâneo está submetido a lógica hedonista.
Em sua obra Modernidade Líquida, Bauman atesta que a sociedade moderna atravessa desde o individualismo até as relações de trabalho, família e comunidade, uma alteração espaço-temporal de percepção, ou seja, o tempo e o espaço deixam de serem concretos e absolutos para serem “líquidos” e “relativos”. A “fluidez” é uma das marcas contemporâneas.
Cada loja, independentemente do que está em suas prateleiras, do que anuncia, do objeto que vende, todas essas lojas são farmácias. Elas vendem medicamentos para problemas da vida.
Zigmunt Bauman
Com dezenas de livros sobre a temática, Bauman os fornece outras perspectivas para entender a realidade atual. E fica a pergunta o que fazer para sair deste quadro desolador no qual o Sujeito é penalizado? Se Freud apontava que a necessidade de Deus estava ligada ao “desamparo paterno”, o que pensar com a hipertecnização, hiperindividualismo e hiperconsumo? E o pior: quando Deus deixa de existir? Em uma sociedade na qual a supremacia da ciência é absoluta a perspectiva divina perde sentido e com ela os parâmetros organizacionais da civilização.
Em minha concepção uma boa saída para o Sujeito resistir aos impactos do que eu denomino hedocapitalismo (capitalismo do prazer) é voltar-se para a compreensão do seu papel no mundo. E para tal a perspectiva existencialista é fundamental. Sem analisarmos o que fazemos e o que devemos fazer para ter uma existência menos traumática e vazia, o Sujeito continuará no Vazio.
E como o Vazio deve ser preenchido, todas as formas para preenchê-lo são válidas. Inclusive as nocivas.
Bibliografia
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005.
BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade – A psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007.
LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal – Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo..São Paulo, Companhia das Letras, 207.
___________ & SERROY, Jean. A Cultura mundo – Resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo, Companhia das Letras, 2011.