Introdução
O pressente artigo tem como objetivo tecer algumas considerações sobre o momento atual das neuroses, tendo como base as aulas assistidas no módulo Clínica das Neuroses, ministrado pela professora Luana Ruff do Vale.
Pequeno histórico contemporâneo
As transformações ocorridas a partir do final do século XX, quando Capitalismo venceu a disputa ideológica contra o Socialismo, trouxeram grandes impactos para a sociedade contemporânea, principalmente a ocidental.
No início dos anos da década de 1980, países como os EUA e a Inglaterra, adotaram com mais ortodoxia os princípios básicos do Liberalismo, agora sob uma nova forma – o Neoliberalismo – para as suas sociedades.
Desde os anos 1930 a procura por uma sociedade mais igualitária ganhou força nos países desenvolvidos através de um poderoso movimento social capitaneado pelo ideário socialista cujo objetivo era “domesticar” o capitalismo selvagem através do Welfare State (Estado do Bem-estar Social).
Britânicos e norte-americanos voltaram a adotar, cinqüenta anos mais tarde, o Neoliberalismo como forma de “recolocar” a sociedade capitalista dentro da lógica de mercadológica: cada indivíduo seria responsável exclusivamente pelo seu sucesso ou fracasso.
Hoje os valores como solidariedade, por exemplo, passaram a não fazer mais parte do discurso social como uma grande bandeira a ser seguida. Sob a égide do capitalismo neoliberal, as relações sociais vêm sofrendo grandes alterações.
Dilemas da atualidade
A tradicional perspectiva encontrava por Freud para as neuroses no final do século XIX sofreu alguma alteração nos últimos 100 anos. O advento da Pós-Modernidade e a hegemonia incontestável da sociedade de mercado alteraram substancialmente os sintomas no Sujeito.
O escritor francês Guy Debord no seu livro Sociedade do Espetáculo (1967) aponta para a alienação da vida contemporânea burguesa. Utilizando-se das categorias centrais do marxismo, Debord desenvolveu o seu trabalho apontando, em resumo, para a coisificação da vida, derivada do processo dialético do capitalismo.
Ao mesmo tempo, hoje, podemos apontar para a reafirmação do hedonismo como forma de satisfação do Sujeito. Ao contrário dos primórdios da psicanálise, quando o capitalismo criava uma dinâmica mais “estável” para as relações sociais e os seus impactos repousavam na perspectiva autoritária do núcleo familiar encabeçado pelo Pai, encontramos na atualidade um quadro diferenciado.
A dissolução da família – enquanto núcleo “coercitivo” e de formação do Indivíduo – configura um padrão no momento. A busca do prazer e sua satisfação através do consumo é outro componente importante que impacta o Sujeito na atualidade.
Charles Melman também aponta uma nova perspectiva para a atual dinâmica contemporânea. Segundo ele:
“Passamos de uma cultura fundada no recalque dos desejos e, portanto, cultura da neurose, a uma outra que recomenda a livre expressão e promove a perversão” [1].
Melman aponta a criação de uma “nova economia psíquica”, baseada:
[na] “mutação (…) de uma economia organizada pelo recalque a uma economia organizada pela exibição do gozo. Não é possível hoje abrir uma revista, admirar personagens ou heróis de nossa sociedade sem que eles estejam marcados pelo estado específico de uma exibição do gozo”[2] .
Como já apontamos no início do texto, a atual dinâmica contemporânea é marcada pela supremacia do capitalismo neoliberal que explica o atual quadro de Vazio sentido pelo indivíduo de um lado e por outro, como elucida Melman, o do gozo acima de tudo. No momento em que tudo é permitido pela ideologia capitalista, o sistema torna o indivíduo vulnerável ao hedonismo contemporâneo.
O hipercapitalismo [3] da atualidade exaspera a capacidade do indivíduo em gerenciar a sua própria vida. O Outro encarnado na dinâmica do enriquecimento acima de tudo regula a vida, fornecendo material psíquico intolerável. O ter e o mais-ter, resultam em o não-ter. A solução é o tentar-para-ter-mais.
Um aspecto importante é que a supremacia midiática impõe a lógica da acumulação como a ser perseguida pelo indivíduo, uma meta. A linguagem, sob várias formas, assume importância fundamental em tempos de pós-modenidade.
Concluindo
As transformações ocorridas nos últimos cem anos – e com maior intensidade nos últimos trinta anos – explicam as mudanças ocorridas na perspectiva neurótica do indivíduo.
A “nova economia psíquica” proposta por Melman colabora para um maior entendimento do atual momento social. O fato é que a teoria psicanalítica deve estar preparada para lidar com as novas “formas” neuróticas geradas pela pós-modernidade.
Bibliografia
Lipovetsky, Gilles. Tempos Hipermodernos. São Paulo: Bacarolla, 2004.
Melman, Charles. O homen sem gravidade – gozar a qualquer preço. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008.
Notas
[1] Homem sem gravidade – gozar a qualquer preço. Rio de janeiro, Cia de Freud, p.15, 2008.
[2] Op. Cit., p.16.
[3] Ver Gilles Lipovetsky. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.
* Publicado originalmente em 20/04/2009.