A política externa brasileira sofrerá uma nova guinada sob o comando do chanceler José Serra à frente do Ministério das Relações Exteriores (MRE). O seu discurso de posse demonstrou um “rancor” com o período petista, especialmente com o governo Lula. O discurso de “partidarização e ideologização” da política externa brasileira parece ter mudado de lado agora.
Como salientou muito bem Matias Spektor, em artigo intitulado Discurso de estreia de José Serra é forte, mas deixa incertezas, na Folha de SP (19/05/2016), “partidarização e ideologização” também ocorrem à direita. Spektor aponta que “Se existe diplomacia aparelhada e partidarizada à esquerda, também existe à direita. Se isso produziu equívocos grosseiros à esquerda, poderá ter resultados igualmente ruins à direita”. E salienta que “O mais significativo diz respeito a uma contradição fundamental: Serra denunciou a diplomacia do PT como ideológica e partidária, mas propôs um programa abertamente ideológico e partidário”.
No embate político ocorrido durante a era petista, a acusação de “partidarização e ideologização” da política externa brasileira foi repetida como um mantra pelos adversários. Ao mesmo tempo em as críticas ecoavam internamente, o Brasil tornou-se um reconhecido protagonista global. Deslocando a prioridade dos tradicionais centros de poder, Lula e Celso Amorim mantiveram a América do Sul como importante área de atuação, e abriram caminho para a África e os BRICS ganharem um peso mais importante ao lado da Diplomacia Sul-Sul.
Ao contrário da avaliação interna pessimista dos segmentos vinculados aos velhos centros de poder, a política externa do governo Lula promoveu o reconhecimento internacional do Brasil por seus pares. A revista Foreign Policy, por exemplo, chegou a classificar Celso Amorim como o provável melhor chanceler do mundo em 2009 devido a sua atuação ao dinamizar a inserção brasileira internacional (2009).
Em entrevista ao site da BBC (19/05/2016), o CEO da revista Foreign Policy, David Rothkopf, distante dos rancores dos setores conservadores brasileiros, afirmou que “Se Serra acha que reformar a política externa é desfazer o que o Lula fez, ele não está agindo em nome dos interesses do Brasil”, referindo-se ao plano de fechamento de vários postos diplomático em países da África, por exemplo, abertas durante a era Lula.
A medida é tão ideológica que não vem acompanhada de um estudo que demonstre qual o peso real para o orçamento desses postos e uma avaliação isenta que constate se os ganhos não são compensatórios.
Contudo, basta bom senso e um pouco de preocupação com os interesses brasileiros, que a priori independem de qualquer coloração política, para nos aproximarmos da opinião de Rothkopf. O importante é o Brasil e não os interesses pessoais e/ou de grupos vinculados aos interesses que nem sempre representam os do Brasil. A visão deve ser sempre de longo prazo.
Rothkopf parece ser mais lúcido na análise dos interesses brasileiros do que o novo comandante do MRE, já que acredita que “Se Serra acha que reformar a política externa é desfazer o que o Lula fez, ele não está agindo em nome dos interesses do Brasil. A política externa tem que ser guiada pelos interesses de longo prazo”.
Mas o que esperar de um chanceler que não é diplomata de carreira, não tem conhecimento técnico (na era petista todos eram diplomatas de carreira) e cujos interesses estão focados em 2018. O novo chanceler traz elementos ideológicos controversos de um pragmatismo tecnocrata e uma inserção internacional subordinada. Parece que a dita “profissionalização” da política externa brasileira já começou errada.
Outro aspecto que merece ser mencionado é a falta de sintonia do chanceler José Serra com o papel importante do MRE na construção da integração sul-americana. A Constituição Federal em seu artigo 4º, parágrafo único, assinala que “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
Sem a América do Sul como foco de atuação e com a crença de que os acordos bilaterais são a panacéia para fazer o Brasil ter uma presença econômica internacional destacada, o chanceler José Serra parece querer marcar uma nova fase no MRE.
Falta saber o que vamos ganhar em troca nos mega-acordos comerciais. O exemplo da União Europeia é marcante. Depois de longo tempo de troca de acusações de falta de interesse, UE e Mercosul iniciaram a trocas de ofertas para um futuro acordo comercial. Ao mesmo tempo, países do bloco europeu, capitaneados pela França, colocaram os seus interesses econômicos à frente para bloquear um acordo que possa dar uma possível vantagem para a agricultura brasileira e argentina. O Mercosul durante os últimos vinte anos foi acusado de criar obstáculos para o acordo. Um insucesso seria responsabilidade de quem agora?
É o desejo de todos que José Serra devolva um certo protagonismo e unidade ao Itamaraty, algo que vinha sucumbindo durante as crises do governo Dilma. Entretanto, é preciso mais que vontade e idealismo, sob pena de perdermos o que conquistamos em nosso acumulado histórico em prol de uma nova ideologia, ainda mais perniciosa, pois eivada de achismos e fins eleitoreiros.
Referências
Matias Spektor. Discurso de estreia de José Serra é forte, mas deixa incertezas(19/05/2016). http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/05/1772749-discurso-de-estreia-de-jose-serra-e-forte-mas-deixa-incertezas.shtml
‘Desfazer o que Lula fez em política externa não é bom para o Brasil’(20/05/2016). http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36334715?ocid=socialflow_twitter
The world’s best foreign minister. 07/10/2009. http://foreignpolicy.com/2009/10/07/the-worlds-best-foreign-minister/
http://www.mundorama.net/2016/05/25/brasil-quo-vadis-por-charles-pennaforte/