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Correio Braziliense: entrevista de Charles Pennaforte

Voto contra as potências na discussão sobre sanções ao Irã firmou a imagem do país como interlocutor confiável e autônomo, avaliam analistas

http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2010/06/11/mundo,i=197207/BRASIL+ENTRA+NO+JOGO.shtml

Tatiana Sabadini

Publicação: 11/06/2010 09:18 Atualização: 11/06/2010 10:45

Para o Brasil, aproximar-se do Irã poderia representar perdas e ganhos. O país arriscou por não ficar ao lado das grandes potências na votação de sanções (1)no Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas vê a atitude ser reconhecida como corajosa. Na avaliação de especialistas, foi um sinal de integridade e de afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como mediador. O diálogo deve continuar e a diplomacia brasileira vai ter um papel importante nas discussões. A cadeira de membro permanente do conselho continua distante, mas já não parece impossível. Passar para o outro lado pode ter sido a melhor escolha para o país firmar-se de vez no cenário internacional.

De acordo com o diplomata Rubens Ricupero, embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre 1991 e 1993, o país fez a escolha certa e preservou a possibilidade de continuar no papel de mediador. “O Brasil não tinha alternativa, da mesma forma que a Turquia, a não ser de discordar das sanções. Do contrário, teria se desmoralizado. O comportamento de nossa representante, a embaixadora Maria Luiza Viotti, foi digno, sem provocações. Suas declarações foram irrefutáveis, ao lembrar as consequências trágicas das sanções no caso do Iraque”, disse o diplomata ao Correio.

A mudança do Brasil, que geralmente tinha uma temática reservada às grande potências, surpreendeu. “Isso gerou um debate interno, mas o governo brasileiro sempre foi a favor da negociação, em primeiro lugar, e esteve ao lado da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Concordo com o ministro Celso Amorim: a partida já estava ganha, mas o Brasil manteve sua postura”, comenta Carlos Eduardo Vidigal, doutor em relações internacionais e professor de história da Universidade de Brasília.

A embaixadora Maria Luiza Viotti conversa com os colegas turco (de costas) e libanês durante a sessão do Conselho de Segurança que votou pelas sanções: interlocutores obrigatórios com o Irã
A embaixadora Maria Luiza Viotti conversa com os colegas turco (de costas) e libanês durante a sessão do Conselho de Segurança que votou pelas sanções: interlocutores obrigatórios com o Irã
O diálogo entre Lula e o colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad, pode ter recebido críticas e não ter tido efeito para as grandes potências, mas serviu como afirmação. “O Brasil conseguiu se projetar mais ainda nos meios internacionais. Muita gente procura levar isso mais para o lado político interno e vê apenas o lado negativo. Mas, com a Turquia, conseguimos mostrar que existe oportunidade de negociação. Conquistamos conhecimento e um poder de barganha. Todos podem questionar o presidente, mas ele conseguiu construir uma forte credibilidade internacional”, afirma Charles Pennaforte, diretor-geral do Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais.
Mesmo depois da posição conquistada, o Brasil ainda pode ter dificuldades para mediar uma aproximação entre o Irã e as potências. “Acredito que qualquer tipo de acordo não interessa aos Estados Unidos, mesmo se o governo iraniano abrisse mão de tudo, o que não vai acontecer. O jogo já estava estabelecido e isso atrapalhou o papel brasileiro no processo de discussão. Infelizmente, Ahmadinejad vai fechar ainda mais o cerco e acredito que em no máximo dois anos ele vai anunciar a capacidade de ter um armamento nuclear”, comenta Pennaforte.

Negócios
A boa relação com o Irã e a imposição da quarta rodada de sanções podem render bons negócios para o Brasil. De acordo com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, as exportações devem aumentar. “Vários países devem se retrair com a sanção aplicada pela ONU. Isso abre uma porta de oportunidades para o Brasil”, avaliou Jorge ao participar do programa Bom dia, ministro, da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). O comércio bilateral duplicou nos últimos sete anos, de US$ 500 milhões para US$ 1,23 bilhão. O Irã é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil no Oriente Médio, principalmente quando o assunto é o setor alimentício. Na visita que fez a Teerã, em maio, Lula anunciou uma linha de financiamento de 1 bilhão de euros, nos próximos cinco anos, para importadores iranianos de produtos brasileiros.

1 – “Vencedor moral”
O assessor especial do presidente Lula para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, viu na votação de quarta-feira no Conselho de Segurança o fim do que chamou de “política do ‘sim, senhor” em relação às grandes potências. “Acho que se criou no Brasil a expectativa de que a única relação possível é a do ‘sim, senhor’, mas não é assim”, disse Garcia à imprensa em Buenos Aires, onde participou ontem de um seminário sobre globalização. O assessor minimizou o impacto nas relações com os EUA, que na sua avaliação “nunca estiveram tão boas”. Mas não deixou de reafirmar a diferença de pontos de vista sobre a crise iraniana, e apontou o Brasil como “vencedor moral” na votação que ampliou as sanções a Teerã. “Se o objetivo disso era frear o programa (nuclear), vai dar exatamente o contrário”, profetizou.

Rússia mantém a venda de mísseis

O voto da Rússia a favor de novas sanções contra o Irã não colocará um fim ao comércio de armas entre os dois países. A venda de sofisticados mísseis S-300 para o governo iraniano deve ocorrer em breve. Não apenas as relações comercias devem permanecer intactas. Apesar de exigir explicações sobre o programa nuclear, as autoridades russas apontaram que a parceria no setor deve continuar.

O ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, declarou ontem que, apesar do embargo econômico, Moscou entregará os mísseis a Teerã, pois os armamentos não seriam de ataque. “A resolução introduz limites à cooperação com o Irã em matéria de armas ofensivas, mas as de defesa não estão incluídas”, declarou Lavrov ao visitar o Uzbequistão, durante uma reunião de cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCS). Cerca de dois anos atrás, a Rússia assinou o acordo de armas com os iranianos. No entanto, o negócio nunca foi concretizado na prática, face à pressão das grandes potências. Existe a crítica de que os mísseis podem melhorar consideravelmente as capacidades de defesa antiaéreas do Irã.

Uma usina atômica do governo iraniano está sendo construída por especialistas russos em Bushehr, no Golfo Pérsico, sob a supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AEIA). De acordo com Konstantin Kosachev, presidente do Comitê de Relações Exteriores do Parlamento russo, a construção será inaugurada no fim do mês de julho, “independentemente das sanções aplicados ao Irã”.

Para outro membro do Parlamento russo, Viktor Ozerov, se as novas medidas afetassem as transações comerciais do país, seria preciso se opor à resolução do Conselho de Segurança da ONU. “Se o texto das sanções afetarem os interesses da Rússia, então, como membros permanentes, nos simplesmente vetaríamos a decisão”, disse à imprensa local.

O Irã promete reagir ao embargo econômico. O primeiro passo é reduzir seus vínculos com a AIEA. “O Parlamento votará no domingo uma lei prioritária que estipula a redução das relações com a AIEA”, indicou Esmaeel Kosari, membro do Comitê de Segurança Nacional e Política Exterior do Parlamento, à agência Fars. Os Estados Unidos e a União Europeia não descartam a possibilidade de, no futuro, impor mais sanções unilaterais para o governo iraniano.

ISRAEL NA BERLINDA
O embaixador dos Estados Unidos na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Glyn Davies, rechaçou como “inoportuno e impertinente” o debate sobre o arsenal atômico mantido por Israel — que, embora seja membro da AIEA, não é signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP) de armas nucleares. O tema foi incluído pelos representantes árabes na agenda do Conselho de Governadores da agência, que não tratava desde 1991 da alegada existência de cerca de 200 ogivas atômicas em Israel. A política oficial do Estado judeu é de manter a “ambiguidade”: não confirma nem desmente. O embaixador do Sudão, Mahmud El-Amim, falando pelo bloco árabe, classificou Israel como “um perigo” para a vizinhança. O representante iraniano, Ali Asghar Soltanieh, cobrou dos israelenses “um compromisso internacional com valores morais”.