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O IRÃ E OS AITAOLÁS*

“Mudança para os pobres significa comida e empregos, não um código de vestuário descontraído ou recreações diversas… A política no Irã é muito mais sobre guerra de classe do que sobre religião”.
Editorial do Financial Time, 15/Junho/2009

O Irã conhecido também na Antiguidade como Pérsia, entrou para o noticiário internacional há exatos trinta anos. Em 1979, o líder aiatolá Khomeini, exilado na França, comandou o fim da monarquia liderada pelo xá Reza Phalevi  e apoiada pelos EUA desde os anos 1950.
Desde então, inúmera análises e abordagens são feitas sobre o regime iraniano e suas influências sobre o Oriente Médio e sobre os grupos fundamentalistas que lutam contra o ideário capitalista-ocidental nas sociedades muçulmanas. Começaremos com um pequeno resumo histórico do período anterior à chegada dos xiitas ao poder no Irã através do aiatolá Khomeini.

O Xá e a Revolução

Após a derrubada da dinastia Qadjar nos anos 1920, subiu ao poder Reza Pahlavi. A existência de amplas reservas de petróleo levaram o Reino Unido e a União Soviética a invadirem o país durante a Segunda Guerra Mundial. Sob a pressão das potências militares, Reza Phalevi foi forçado a abdicar o poder a favor de filho, Mohammed Reza Phalevi. O objetivo da renúncia ao poder era de que o xá Phalevi proporcionasse maiores facilidades na exploração dos recursos petrolíferos às potências.
Contudo, a Anglo-American Oil Company foi nacionalizada em 1953 e abriu sérios conflitos com as potências ocidentais. O xá e o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh entraram em conflito, gerando a deposição do último e sua prisão. Tal fato demonstrou que os interesses das potências ocidentais possuíam grande influência nas decisões políticas iranianas e não combinavam com propostas nacionalistas.
Até 1979 o xá Reza Phalevi procurou modernizar as estruturas sociais da sociedade muçulmana através da importação de modelos ocidentais. Ao mesmo tempo, tornou-se aliado dos EUA. O confronto com os religiosos conservadores foi inevitável. No campo econômico, a situação deteriorou-se durante esse período e provocou o empobrecimento da população. A corrupção ganhou ímpeto.
Do exílio na França, o aiatolá (algo como “expert” em religião) Khomeini começou a comandar as forças opositoras ao regime pró-EUA. Peridiodicamente Khomeini tinha os seus discursos gravados e levados para o Irã e distribuídos nas universidades. Com o quadro social e econômico deteriorado, as palavras de Khomeini ganharam eco em toda a sociedade. A “modernidade” social era mal vista é pelos religiosos.
Em 11 de fevereiro de 1979, o regime liderado pelo xá Reza Phalevi chegou ao fim. Apoiado pela maioria da sociedade, Khomeini representou a chegada ao poder do grupo xiita. No poder, os xiitas tornaram o país uma república islâmica teocrática.  Phalevi fugiu para o exílio nos EUA. O modelo de governo xiita é inspirado nas interpretações conservadoras do Alcorão e o controle político fica nas mãos do clero.
As relações com os EUA foram rompidas imediatamente após o governo revolucionário chegar ao poder. Ainda, em 1979, no auge da histeria produzida pelo fim do regime de Reza Phalevi, estudantes invadiram a embaixada dos EUA em Teerã. Este fato tornou-se um grande problema diplomático criado durante a administração Jimmy Carter. Mais de um ano depois o caso foi solucionado com a devolução dos reféns norte-americanos.  Contudo, o desgaste com os EUA foi um fato terrível.
Mesmo com a morte do aiatolá Khomeini em 1989, as relações bilaterais não foram restabelecidas entre os dois países. A chegada de Barack Obama em 2009 à Casa Branca parece iniciar uma nova etapa nas relações Irã-EUA. Contudo, os iranianos ainda alimentam sérias desconfianças em relação aos EUA.

As Influências da Revolução Iraniana no Oriente Médio

Sob o ponto de vista geopolítico e ideológico, a revolução xiita iraniana provocou um grande impacto no Oriente Médio. Contudo ela foi ofuscada pelo grande embate ideológico da Guerra Fria – o conflito entre o capitalismo e socialismo –  que durou até os anos 1990.
No Oriente Médio, os xiitas alcançaram uma posição de destaque no mundo muçulmano. Dentro do Islamismo, os xiitas correspondem a 20% da população e os sunitas ficariam com o percentual restante.  Na prática, os sunitas são identificados por suas posições moderadas dentro do islamismo, inclusive possuindo vários governos como, por exemplo, o da Arábia Saudita, aliado aos EUA. Pelo lado xiita, a imprensa ocidental os coloca como “fundamentalistas” por assumirem posições “ puristas” na interpretação do Alcorão.
A consolidação da hegemonia política xiita no Irã ocasionou grandes ecos no Iraque e nos grupos palestinos que desde 1948 lutam por parte dos seus territórios de volta. A Guerra Irã-Iraque (1980-1988) foi o exemplo mais claro da força ideológica do islamismo xiita iraniano.
No Iraque, o líder Saddam Hussein contou com o apoio dos EUA para combater os xiitas iranianos. Na prática, o objetivo era enfraquecer a força dos xiitas ou, quem sabe, até mesmo derrotá-los.  Pelo lado iraquiano, o seu grupo xiita localizado ao norte passava a contar com um poderoso aliado para a tomada do poder e, até mesmo, a divisão do país em dois. A guerra e o apoio dos EUA foram muito bem vistos.
Com os EUA e a URSS atuando nos bastidores, a guerra durou quase uma década e provocou quase um milhão de mortos nos dois lados. Nenhum dos dois países logrou a vitória e o regime fundamentalista iraniano não foi enfraquecido.
Nos campos de assentamentos palestinos, o exemplo xiita ganhou admiradores e seguidores. O Hezbollah (Partido Deus) é o principal exemplo da influência iraniana na região. O apoio financeiro do Irã é fundamental na atualidade para vários outros grupos.

O Irã na Atualidade

Com a morte do aiatolá Khomeini em 1989, outro aiatolá o sucedeu: Ali Khamanei. Khamanei ocupa o cargo de chefe de estado ou Guia Supremo do Irã. O Guia Supremo é eleito por Assembleia de Peritos para um mandato vitalício.
O poder executivo é desempenhado pelo presidente que é eleito por sufrágio universal a cada quatro anos. Contudo, o Guia Supremo é quem de fato comanda toda a estrutura política do país. Em 2005, Mahmoud Ahmadinejad foi eleito presidente e desde então, destacou-se por inúmeras declarações polêmicas e antiocidentais, entre elas a de que o holocausto seria uma “invenção”… dos judeus. Também durante a sua primeira administração, o Irã ampliou o seu programa nuclear e entrou em choque com a comunidade internacional, na verdade contra os EUA, que insistem em “indicar” quem pode ou não possuir a energia nuclear.
O programa nuclear que é declarado por Teerã como para “fins pacíficos” vem provocando sanções da ONU desde 2006 apesar de, por exemplo, Israel possuir material nuclear na região e os EUA nunca terem se pronunciado contra da mesma maneira que ocorre com o Irã.
A política externa de Teerã dos últimos tem procurado levar o Irã a sair do isolamento internacional gerado pela revolução islâmica de 1979. Ahmadinejad tem feito constantes viagens pelo mundo, inclusive para a América Latina com o objetivo aumentar a projeção política do país. Na América Latina, a Venezuela fechou várias parcerias com o regime de Teerã para o desespero dos EUA.
Em junho de 2009, Ahmadinejad conseguiu a sua reeleição em eleições que foram classificadas pela oposição com fraudulentas. Os refomistas liderados por Houssein Mousavi acusaram  que a vitória de Ahmadinejad teria sido fraudulenta, ocasionando a primeira grande onda de protestos  desde 1979. Entretanto, nenhuma prova concreta foi obtida, apesar das pesquisas eleitorais apontarem a vitória de Ahmadinejad.
O fato é que o Irã está passando por transformações internas que estão colocando conservadores e reformistas em campos cada vez mais polarizados. O caráter hermético da sociedade iraniana pós-revolução gera um grande número de elucubrações que estão baseadas nos preceitos ocidentais. Pensar o Irã sob tais modelos, fatalmente gerará mais dificuldades de entendimento da realidade iraniana. O ponto pacífico é que, neste momento, a sociedade iraniana está procurando por maior “flexibilização” interna. Fato que não necessariamente está ligado a um pretenso processo de “ocidentalização”. Parece que o que falta aos grupos políticos que compõem o Irã islâmico da atualidade é encontrar o ponto de equilíbrio no projeto implementado há trinta anos.
Do lado ocidental, especificamente dos EUA, o interesse pelo fim do regime xiita é um dos grandes sonhos do Tio Sam. Sem os xiitas em Teerã, o Oriente Médio seria definitivamente mais um espaço de consumo e de investimentos financeiros capitalistas.

* Publicado na revista Conhecimento Prático- Geografia, nº 27, Escala Educacional.