Primeira Página

Entrevista Estado de SP: Charles Pennaforte

Brasil pode integrar missão de paz da ONU no Sudão

15/12/2006

http://www.estadao.com.br/arquivo/mundo/2006/not20061215p54143.htm

País vem se destacando em negociações sobre Darfur. Exército garante ter tropas prontas; Itamaraty não nega sondagem, mas diz que não houve convite formal

O Brasil foi sondado pelo Department of Peacekeeping Operations (DPKO) da Organização das Nações Unidas e pode utilizar a experiência do Exército no Haiti, onde atua desde 2004, e vir a integrar a missão de paz da ONU para o Sudão (UNMIS). A informação é de um militar brasileiro, que trabalha há mais de um ano na inteligência das Nações Unidas em Cartum, capital sudanesa, e que ajudou na elaboração dos acordos de paz na região.

Em encontro com jornalistas em São Paulo, o general Augusto Heleno Ribeiro, ex-comandante da missão da ONU no país caribenho (Minustah), defendeu a participação do País em novas missões, afirmando que “as tropas brasileiras estão muito preparadas para esse tipo de missão” e que “já se fala que o Brasil tem vocação para ser tropa de paz”.

Há atualmente 24 militares e quatro civis brasileiros atuando como observadores da ONU no país africano, sem a participação de tropas. Desde fevereiro de 2003, milícias árabes apoiadas pelo governo promovem um conflito étnico em Darfur, no oeste sudanês, que já deixou mais de 2,5 milhões de deslocados e 200 mil mortos, o que é considerado pelas Nações Unidas o primeiro genocídio do século XXI.

Na quarta-feira, o Conselho de Direitos Humanos da organização decidiu enviar uma missão a Darfur para avaliar a real situação do Sudão. O Brasil, que nos últimos dias vêm resistindo às evidências apresentadas pelo alto-comissariado sobre o envolvimento do governo sudanês nos massacres, torturas e prisões de civis, e se absteve de votar em uma resolução que condenava o governo, declarou-se “satisfeito” com a nova decisão, assegurando que teve um papel importante para se alcançar esse consenso.

O primeiro contingente brasileiro para Darfur, com no mínimo 30 homens, seria de Goiás, acredita o brasileiro que está no Sudão e foi ouvido pelo Portal Estadão.com.br. Mas, diz ele, depende muito da situação dos efetivos de Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, que já integraram a Minustah.

O Itamaraty diz que não pode negar que tenha havido alguma especulação para que o Brasil participe da missão, mas que ainda não recebeu um convite formal para integrá-la. O diplomata Fábio Frederico, da assessoria de imprensa do Ministério de Relações Exteriores, informa que o próprio ministro Celso Amorim já foi questionado sobre esta possibilidade, e que disse na ocasião acreditar que ênfase do País deva ser a missão de paz no Haiti, comandada pelo Brasil, e para a qual, segundo o Itamaraty, não há um plano de retirada.

De acordo com o Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomsex), poderia vir a integrar uma nova missão de paz o 19º Batalhão de Infantaria Motorizado de São Leopoldo (RS) que tem permanentemente cerca de 1,2 mil homens direcionados para este tipo de ação. O Brasil participa atualmente de missões de paz em nove países do mundo, incluindo tropas no Haiti e no Timor Leste.

Segundo o militar brasileiro no Sudão, apesar de haver “vontade” do ministério de Relações Exteriores em participar, algumas questões técnicas impediriam o envio de tropas à África, como a necessidade de novos uniformes devido ao calor (a capital sudanesa é considerada a mais quente do mundo) e a aquisição de equipamentos adequados ao deserto. Entre outros fatores que poderiam contar contra a participação brasileira, aponta este militar, estão a experiência negativa do Haiti junto à opinião pública brasileira e o alto risco de morte de capacetes azuis, “pois na África o conflito é tribal e há amplo desrespeito aos direitos humanos”.

Apesar de não ter havido uma consulta formal, o Exército brasileiro garante estar pronto para integrar mais uma missão de paz. O comandante do Exército brasileiro, general Francisco Roberto de Albuquerque, em entrevista a jornalistas durante a formatura de 2,8 mil soldados em Taubaté (SP) em agosto, afirmou que “a credibilidade do Exército brasileiro é tão grande no mundo” que o comandante das Forças Armadas dos Estados Unidos lhe disse que as tropas brasileiras são “excelentes” e que “estão prontas para atuarem em qualquer país”. “Os soldados brasileiros não são soldados de birô, não são soldados só de formatura, são soldados de ação, resultado e vontade, soldados que querem morrer pelo Brasil e têm de estar prontos para qualquer tipo de ação. O brasileiro é um homem multidisciplinar e pronto para qualquer missão a ser cumprida”, afirmou ele.

Na época, cogitava-se a possível participação de tropas brasileiras na missão de paz da ONU para o Líbano. Especialistas ouvidos pelo Portal Estadão acreditam que o envio de tropas ao Líbano não se formalizou, dentre outros motivos, por ser uma decisão política, que necessita da aprovação do Congresso Nacional, o que era difícil de ocorrer em um período pré-eleitoral.


Especialistas criticam

Especialistas acreditam que não seria benéfico para o Brasil integrar a missão de paz para Darfur e que as especulações sobre o assunto devem-se ao fato do Brasil estar em uma “busca desenfreada por um assento permanente no Conselho de Segurança”.

Gilberto Sarfati, mestre pela Universidade Hebraica de Jerusalém e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), diz que “o risco de uma operação militar em Darfur é altíssimo”, tanto do ponto de vista militar quanto político, e que “este seria o último lugar do planeta – até mesmo o Líbano seria melhor – para onde eu mandaria um contingente significativo, aceitável para manter a candidatura ao Conselho de Segurança “. Ele entende que “um fracasso poderia minar o apoio de outros países à candidatura brasileira, internamente e externamente”.

Sarfati lembra o histórico de fracassos da ONU na África, como as missões na Somália em 1992, Ruanda em 1994 e Serra Leoa, em 2000. “Ou seja, não já razões para acreditar que Darfur será mais fácil, ao contrário”.

Doutor em ciência política e ex-assessor do ministério da Defesa entre 2001 e 2002, além de coordenador da graduação e de pós-graduação do curso de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Gunther Rudzit não acredita na possível participação brasileira, pois acha muito difícil os militares brasileiros aceitarem. “Nós mal estamos dando conta do Haiti, que é muito menor e com problemas muito menores. Por mais que o governo e os militares neguem, a coisa no Caribe está fora do controle, não há previsão de estabilização daquele país. Segundo, que não há espaço no orçamento para outra missão. Então, acho difícil nós nos atolarmos no Sudão. Ainda bem”, diz ele.

Se a intenção do Brasil é conquistar um assento no Conselho de Segurança, o envio de tropas ao Sudão se justifica. Essa é a visão de Charles Pennaforte, mestre em geografia pela Universidade de Havana e diretor do Centro de Estudos em Geopolítica e Relações Internacionais (Cenegri), com sede no Rio de Janeiro. Para ele, a atuação brasileira em missões de paz é uma forma aumentar o seu espectro de influência na direção deste objetivo. Ele questiona, porém, o ônus político da participação, “já que ao participar destas missões aumenta a possibilidade de mortes e atritos de toda ordem com os sudaneses”.